FANTASMA DA CONSCIÊNCIA

Zeca Pereira (José Pereira dos Anjos), filho de Cezário Pereira dos Anjos e Domingas Maria dos Anjos, nasceu em 12 de maio de1977, no povoado Ilha do Vítor, município de São Desidério-BA. Na década de 1980, migrou para Barreiras- Ba, onde reside até hoje.
Em 1993, iniciou sua vida de folheteiro com uma lona pelo chão nas feiras livres, aos sábados, em Barreiras e, aos domingos, em São Desidério.
Em 2002, editou o seu primeiro cordel intitulado: Os lamentos de um ancião no asilo. Apesar de alguns erros de métrica, aos poucos, foi aprendendo a desenvolver melhor os versos e hoje ministra palestras e oficinas de cordel.
No ano de 2011, fez uma parceria com o poeta Flaviano Medeiros e juntos estiveram vendendo cordéis em cerca de 200 municípios nos estados: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Sergipe, Piauí, Maranhão, Ceará e Pernambuco. Em 2016, parou com as viagens para dedicar-se aos estudos e, neste mesmo período, fundou a Nordestina Editora, que vem editando cordelistas de todo o país.
Zeca Pereira, em 2017, idealizou e organizou o livro: CORDELISTAS CONTEMPORÂNEOS (COLETÂNEA 2017), reunindo mais de 50 cordelistas das cinco regiões do Brasil, o livro foi uma obra custeada pelos próprios autores e editado com os selos da NORDESTINA EDITORA e EDITORA VELOSO.

O poeta é membro da Academia Barreirense de Letras (ABL), tendo como patrono o cordelista Antônio Teodoro dos Santos (O poeta Garimpeiro). Zeca mantém, atualmente, um programa na rádio comunitária Nova FM (ZECA PEREIRA NA NOVA FM), em Barreiras. O programa é voltado para as músicas dos repentistas, aboiadores e emboladores, indo ao ar todos os sábados, das 18h às 20h.


FANTASMA DA CONSCIÊNCIA

Em uma fila do banco
Eu estava um certo dia
Conversando com um rapaz,
Por nome Pedro Faria,
E foi quem contou o caso
Que até hoje me arrepia.

E como achei espantoso
Tudo quanto ele falou,
Desse caso interessante,
Que o tempo não apagou,
Vou contar da mesma forma
Que pra mim ele contou.

Vê-se muita gente má
Fazendo barbaridade,
Achando que os seus atos,
Repletos de crueldade,
Para sempre vão ficar
Na fila da impunidade.

Talvez não acreditando
Na grande força divina
Que na terra e no céu
Tudo faz e determina
E bota um ponto final
Em toda fúria assassina.

Há muitos anos atrás
Existia um cidadão,
Seu nome era Aderval,
Bem metido a valentão,
Nascido em Pernambuco,
Lá pras bandas do sertão.

Ele era daquele tipo
Que gostava da cachaça,
Sem motivos aparentes
Sempre fazendo arruaça,
Armado com um revólver
Pronto pra fazer desgraça.

Certa vez até matou
Um rapaz na emboscada,
Somente por ter ciúme
Da sua ex-namorada
E por não existir provas
A sentença não foi dada.

A moça havia acabado
O romance de dois anos
Dizendo que ele não mais
Era parte dos seus planos,
E se fosse ameaçada
Contaria para os manos.

Alguns meses depois disso
Ele ainda inconformado
Descobriu que um rapaz
Muito estava interessado
Por sua ex-namorada
E ficou indignado.

Pegou logo o seu revólver
Pra matar o inocente,
Levado pelo ciúme
Que dominava sua mente
E foi esperá-lo onde
Passava diariamente.

O rapaz que não sabia
Que a morte o esperava
Foi passando na estrada
Que ele sempre passava,
Enquanto que Aderval
Pra matar lhe aguardava.

Quando ele atravessava
Aderval assim falou:
— Espera aí vagabundo
Que sua hora chegou —
E apontando o revólver
Logo um tiro disparou.

Foi um tiro bem certeiro
Em cima do coração,
O rapaz se estendeu
Morto por sobre o chão
E ele saiu correndo
Com sua arma na mão.

Daquela arma do crime
Não demorou se livrar
Pois se ficasse com ela
Iria se incriminar,
Assim jogou na lagoa
Pra ninguém a encontrar.

Foi direto para casa
E ficou bem sossegado
Aguardando o momento
Para ser interrogado,
Sabia que era suspeito
De tê-lo assassinado.

Como de fato foi preso
Mas tiveram que soltar,
Não existia uma prova
Que pudesse incriminar,
Causando muita revolta
Ao povo desse lugar.

Todos sabiam que ele
Era mesmo o assassino,
Mas a justiça não pôde
Provar seu ato ferino,
Assim todos entregaram
Às mãos do juiz divino.

E ele muito tranquilo
Pra sua casa retornou.
Esquecendo tudo aquilo
A vida continuou.
Conforme os dias passaram
Ao normal tudo voltou.

Contudo, apesar de ser
Assassino e arruaceiro,
Ele também trabalhava,
Era bom caminhoneiro,
Sempre estava viajando
Por nosso país inteiro.

Certa vez numa viagem
Passando pela Bahia,
Já era final de tarde
E o sol já se escondia,
Enquanto o rádio tocava
A Santa Ave-Maria.

E foi em terras baianas
Que o pior aconteceu:
Na saída duma cidade
Um pedestre apareceu
Na frente do caminhão
E o freio não lhe valeu.

Isso porque o pedestre
Ao atravessar na frente,
Pisar o pé pra frear
Não foi o suficiente
Para poder evitar
Aquele triste acidente.

Pelo seu retrovisor
Viu a vítima lá deitada,
Que sangrava ali de bruços
Em cima duma calçada,
Ele ao ver aquela cena
Bateu logo em retirada.

E não socorreu a vítima
Com medo da punição,
Infelizmente não houve,
Nesta dita ocasião,
Quem pudesse anotar
A placa do caminhão.

Viajava ele inquieto,
Pensativo, sem saber,
Seria homem ou mulher
Ou quem poderia ser?
Será que alguém socorreu
Ou sangrou até morrer?

O peso da consciência
Deixava-lhe preocupado,
Desejava achar alguém
Pra viajar do seu lado,
Tentando assim esquecer
O episódio passado.

E com dois dias depois
Tinha uma mulher parada
Pedindo uma carona
Bem na beira da estrada;
Parou e abriu a porta
E ela tomou chegada.

Ela lhe deu “boa tarde”
Dizendo que precisava
Chegar a uma cidade
Que próximo dali estava
E se ele por caridade
Essa carona lhe dava.

Ele respondeu que sim
Com toda satisfação.
Ela entrou, aí seguiram
A traçada direção.
E já um pouco distante
Falou a mulher então:

— Senhora se puder diga
De onde que está vindo?
Pouco conheço a Bahia,
Esse estado tão lindo —
Ela olhando para ele
Ali respondeu sorrindo:

— Eu agora estou vindo
Dum lugar desconhecido,
Que pouca gente foi lá,
Por ser demais escondido,
Muitos até dizem que
É um local esquecido.

Sem entende-la pensou:
“Quem será essa mulher?
Tem aparência estranha,
Meu Deus será que ela quer
Roubar-me? Acho que não,
Seja o que Deus quiser! “

Já era início da noite
Quando ela perguntou:
— O senhor já é casado?
Ele então lhe respostou:
— Eu tinha uma namorada,
Mas o romance acabou.

— Parece que o senhor
Gostava bastante dela.
Acho que foi uma loucura
Em se apaixonar por ela,
Mas não devia ter feito
Uma besteira daquela!

— A qual besteira a senhora
Agora se reportou?
Ela disse: — O rapaz
Que você assassinou!
Pensa em ficar impune
Do crime que praticou?

Você quando assassinou
Aquele moço inocente,
Depois não foi condenado,
Revoltando aquela gente
Que clamava por justiça —
Para mim foi deprimente.

Aderval ouvindo isso,
Irado como um leão,
Disse: — Faça-me um favor,
Saia deste caminhão,
Que eu não preciso ouvir
Essa sua acusação.

Ela disse: — Rapaz, calma,
Que ainda não falei
De coisas que você fez
E de tudo quanto sei,
Onde desejo chegar,
Eu ainda não cheguei.

Pessoa igual a você
Vai pro fogo do inferno,
Para saber que existe
Um grande Deus e eterno
E que todos os seus atos
Anota em um caderno.

Lembra daquela pessoa
Que você atropelou?
Quando viu ela ferida
E socorro não prestou?
Foi mais um crime terrível
E Jesus cristo anotou.

Quando Aderval ouviu
A sua declaração
Pisou logo o pé no freio,
Encostou o caminhão,
Dizendo: — Agora preciso
Ouvir uma explicação.

Como a senhora sabe
Que eu matei um rapaz?
E também do acidente
Que ocorreu lá atrás?
Diga-me quem você é,
Um anjo ou Satanás?

O final deste e outros cordéis você encontra na Coletânea O BAÚ DO MEDO.

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